Ministros de 5 governos diferentes condenam política externa brasileira atual
Três ex-chanceleres, um ex-ministro da Fazenda e um ex-secretário de assuntos estratégicos, representando cinco governos brasileiros diferentes, afirmaram nesta terça-feira (27) que a atual política externa do Brasil é irracional, uma vergonha, um desastre, subserviente, lunática e gera desprestígio.
Em debate promovido pela Brazil Conference da Universidade Harvard, os ex-chanceleres Celso Amorim, Celso Lafer, Aloysio Nunes Ferreira, o ex-ministro da Fazenda e ex-embaixador em Washington Rubens Ricupero e o ex-secretário especial de assuntos estratégicos Hussein Kalout mostraram raro consenso ao condenar a condução da política externa do governo Bolsonaro.
Os debatedores até brincaram que formariam um “Foro Ricupero” ou “Grupo Ricupero” para discutir saídas para reconstruir a política externa nacional, unindo representantes de vários governos.
“O soft power do Brasil está sendo dilapidado”, afirmou Celso Lafer, ministro das Relações exteriores no governo Fernando Henrique Cardoso. Segundo ele, a diplomacia liderada por Ernesto Araújo se dedica ao “combate a inimigos imaginários fruto de visão do mundo que tem pouca ligação com a realidade”.
“Isso vem levando ao isolamento do Brasil no mundo e a alianças que não são do nosso interesse, além de isolamento dentro da nossa própria região”, disse Lafer.
Para Celso Amorim, chanceler nos governos de Itamar Franco e Luiz Inácio Lula da Silva e ministro da Defesa na gestão de Dilma Rousseff, os governos representados no debate tiveram divergências, mas todos partiam de um discurso racional.
“Hoje existe uma total ausência de razão no Itamaraty”, disse. “Nesse meio século como diplomata e ministro nunca vi nada igual; estamos vendo um ataque à razão, é um desastre. O dano sendo feito à reputação do Brasil não poderia ser pior.”
Aloysio Nunes Ferreira, ministro das Relações Exteriores durante o governo de Michel Temer, afirmou que a política externa atual é um desserviço aos interesses nacionais. “O alinhamento primário não é com os EUA, mas com o governo Trump”, disse ele, dizendo que há um desprestígio crescente do Brasil.
Os ex-chanceleres, no entanto, divergiram sobre as políticas dos governos petistas para Venezuela.
Questionado pela moderadora Vera Magalhães, colunista do jornal O Estado de S. Paulo, Amorim não caracterizou o governo de Nicolás Maduro como uma ditadura, dizendo não se tratar de rotular o país -senão isso deveria ser feito também com a Arábia Saudita, que não tem um governo democrático.
Ele afirmou que não concorda, por exemplo, com o que foi feito com a Assembleia Nacional na Venezuela (Maduro criou uma Assembleia Constituinte para esvaziar o poder do Parlamento). Amorim, no entanto, defendeu a manutenção do diálogo com o governo venezuelano.
Já Aloysio defendeu endurecimento do tom com a Venezuela, postura contrária à política dos governos petistas levada a cabo durante a Presidência de Temer.
O ex-chanceler ressaltou, porém, que, ao contrário do governo Bolsonaro, foi mantido um canal de comunicação com o governo venezuelano, incluindo encontros com o chanceler do país, Jorge Arreaza.
“Coisa horrorosa a retirada de todos os representantes de lá, deixando nossos cidadãos a ver navios”, disse Aloysio, em relação à decisão de Bolsonaro de tirar todos os diplomatas brasileiros do país e cortar relações.
Lafer também criticou o alinhamento automático do Brasil com os EUA e sublinhou que as ações do atual governo em relação à Venezuela, por pressão americana, seriam prejudiciais aos interesses brasileiros.
Kalout afirmou que o Itamaraty liderado por Ernesto Araújo está destruindo “os cânones da política externa de dois séculos”. Ele questionou a aproximação com países como Hungria e Polônia, com os quais a complementaridade do Brasil “é zero”, e os atritos com nações como França e Alemanha .
“O Brasil está contra o mundo, impondo um auto-isolamento”, disse.
Para Ricupero, esse “é um momento de extrema vergonha para todos nós”. “Só nas franjas lunáticas da opinião haverá alguém que defenda essa política externa. Eu me sinto constrangido de ter que falar dessa política, é dar pontapé em cachorro morto, uma política rejeitada por todos”, disse.
O ex-ministro afirmou que o governo Bolsonaro tem “dedo podre”. “Como o ditado da moça que tinha dedo podre, só escolhia o namorado errado, esse governo só escolhe as alianças erradas: Mauricio Macri [ex-presidente da Argentina], Matteo Salvini [ex-vice premiê da Itália], Viktor Orban [primeiro-ministro da Hungria].”
Os debatedores também criticaram o que chamam de “aliança subserviente” com os EUA quando questionados sobre o anúncio do presidente americano, Donald Trump, de que poderia bloquear voos do Brasil para os EUA devido ao surto de coronavírus no país.
“Não é mais um alinhamento automático, é uma subserviência cega que tende a prejudicar gravemente interesses do Brasil”, disse Kalout. “O Brasil está fazendo concessões reais em troca de migalhas políticas que não agregam nada ao nosso interesse nacional.”