Voto do Brasil na ONU condenando invasão russa à Ucrânia marca mudança de posição

O voto do Brasil pela condenação à invasão russa foi uma mudança na posição do país. A Ucrânia já estava sob ataque há mais de oito horas, quando o presidente Jair Bolsonaro parou na manhã da última quinta-feira (24) para conversar com apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada, e não fez nenhum comentário sobre a invasão russa.

Pouco depois, o vice-presidente Hamilton Mourão deu uma entrevista, e foi duro. Condenou a invasão. Disse que apenas sanções econômicas não são suficientes.

“O Putin não respeita apaziguamento, essa é a verdade. Então, se não houver uma ação bem significativa… E, na minha visão, meras sanções econômicas, que é uma forma intermediária de intervenção, não funcionam”, afirmou o vice-presidente da República.

Bastante diferente da visão do Ministério das Relações Exteriores que, ao se manifestar em nota, ainda na quinta, não condenou diretamente os ataques, nem defendeu sanções à Rússia.

A nota dizia que o governo brasileiro acompanha com grave preocupação a deflagração de operações militares pela federação da Rússia contra alvos no território da Ucrânia. E fazia um apelo à suspensão imediata das hostilidades e ao início de negociações conducentes a uma solução diplomática para a questão.

Enquanto isso, o presidente Jair Bolsonaro estava em São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, onde participou de eventos públicos e fez discursos. Mas, novamente, nenhum comentário sobre a agressão russa à Ucrânia.

Só no meio da tarde, Bolsonaro reproduziu numa rede social uma outra nota do Itamaraty, sobre a ajuda a brasileiros na Ucrânia. E, depois, em outra postagem, disse estar totalmente empenhado no esforço de proteger e auxiliar os brasileiros que estão na Ucrânia.

Na quinta (24) à noite, 20 horas após o início do conflito, o presidente falou sobre os ataques. Numa live para redes sociais, lembrou que esteve na Rússia, na semana passada, quando a tensão política na região já era alta.

Sobre uma manifestação de solidariedade à Rússia por Bolsonaro, a porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, declarou que o Brasil parecia estar do lado oposto ao da maioria da comunidade global.

Na live, Bolsonaro desautorizou o vice-presidente Mourão. Disse que a palavra final sobre o conflito internacional é dele.

Em Brasília, embaixadores da União Europeia e representantes dos Estados Unidos, Japão e Reino Unido cobraram que o Brasil votasse a favor da resolução do Conselho de Segurança da ONU para condenar a invasão da Rússia à Ucrânia.

O secretário de estado americano, Antony Blinken, chegou a telefonar para o Ministro das Relações Exteriores, Carlos França.

Na sexta-feira (25), na reunião do conselho da ONU, houve a mudança. Pela primeira vez, o Brasil, que vinha evitando responsabilizar o governo russo, se manifestou oficialmente contra a invasão. O embaixador brasileiro, Ronaldo Costa Filho, disse que o Conselho de Segurança deveria agir prontamente quanto ao uso da força contra a integridade territorial de um estado-membro.

“Um limite foi ultrapassado, e este conselho não pode permanecer em silêncio”, defendeu o embaixador. Ronaldo Costa Filho pediu, ainda, a retirada das tropas russas e a retomada do diálogo diplomático.

O embaixador Marcos Azambuja disse que a posição de Ronaldo Costa Filho na ONU respeitou a tradição da diplomacia brasileira.

“O nosso voto ontem está de acordo com a nossa tradição, os nossos valores, os nossos princípios. O Brasil, na sua diplomacia, tem sido incansável na procura das soluções negociadas, das soluções pacificas”, afirmou Azambuja.

No início da tarde deste sábado (26), o presidente Bolsonaro foi às redes sociais e falou pela primeira vez sobre o voto na ONU. Disse que a posição do Brasil em defesa da soberania, da auto-determinação e da integridade territorial dos estados sempre foi clara e está sendo comunicada através dos canais adequados para isso, como o Conselho de Segurança da ONU, e por meio de pronunciamentos oficiais.

E voltou a afirmar que o governo está focado “em garantir a segurança do nosso país, proteger os interesses do nosso povo, auxiliar os cidadãos brasileiros que se encontram nas regiões conflagradas e contribuir para uma resolução pacífica do conflito”, disse Bolsonaro.

O cientista político Hussein Kalout afirma que o principal problema do Itamaraty foi encontrar o meio-termo entre o dever, a obrigação de estado, e a posição pessoal de Bolsonaro.

“Eu acho que eles estavam tentando encontrar o ponto de equilíbrio entre o que a diplomacia deve fazer e o que o presidente quer. A diplomacia, no caso, o Itamaraty, tinha clareza do que deveria fazer. Eles sabem da nossa doutrina diplomática e do nosso posicionamento quando há violação ao direito internacional, quando há uma invasão deliberado, injustificável, a um pais soberano, independente”, explica Kalout, conselheiro brasileiros de Relações Internacionais.

fonte: Jornal Nacional