Intervenção federal no Rio quer combater corrupção policial

jose lucena / Futura Press/Folhapress
Soldado do exército durante contenção de violência na favela da Rocinha, em setembro de 2017

BRASÍLIA E RIO – “Não podemos fazer intervenção só do lado de fora, nas ruas; precisamos intervir também dentro das polícias”.

A frase foi dita neste sábado por uma das autoridades federais que participaram de reunião no Palácio Guanabara sobre a missão que as Forças Armadas terão no Rio.

Segundo ela, durante o encontro, o presidente Michel Temer e o novo responsável pela segurança do estado, general Walter Braga Netto, deixaram claro que o combate à corrupção se tornou uma prioridade, algo tão importante quanto a presença ostensiva do Exército em áreas conflagradas.

Após a reunião, autoridades se preparam para tentar aplicar o que é considerada a parte mais difícil da intervenção federal na segurança pública do Rio, decretada por Temer na sexta-feira: um modelo de ação que permita a realização do que chamam de “limpeza” nas polícias Militar e Civil do estado.

Existe a possibilidade de o presidente assinar um decreto suplementar nos próximos dias, detalhando o poder de atuação de Braga Netto. Isso é uma reivindicação de oficiais que querem garantir carta branca para o general tomar todas as decisões que julgar necessárias.

Fontes do Planalto disseram que, para Temer, está claro que é preciso reestruturar as polícias do Rio. No entanto, o governo vem tendo muito cuidado ao tratar do tema, para não causar reações dentro das corporações.

Na avaliação da cúpula da intervenção, ou se muda a forma de atuação das forças do Rio ou a violência explodirá assim que os militares deixarem o estado, o que está previsto para acontecer no dia 31 de dezembro deste ano.

“Vamos reestruturar as polícias do Rio. Temos que fazer isso agora, ou tudo voltará. Não adianta só colocarmos os militares nas ruas”, afirmou um integrante do governo federal.

De acordo com a mesma fonte, o Planalto já tem um diagnóstico da corrupção dentro das polícias Civil e Militar. Relatórios de serviços de inteligência foram elaborados no ano passado.

Beto Barata/PR
General Braga Neto, interventor federal na segurança do Rio de Janeiro

Como interventor, Braga Netto, responsável pelo Comando Militar do Leste, passou a ter autoridade plena sobre a segurança do estado. O oficial pode mexer em todos os escalões das polícias, do Corpo de Bombeiros e da administração penitenciária.

Ele ainda não anunciou mudanças, mas o secretário de Segurança, Roberto Sá, já colocou o cargo à disposição. O general tem ainda autoridade para trocar comandantes de batalhões e delegados.

Ontem, coube ao presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), verbalizar a necessidade dessas mudanças: “Precisamos começar um processo de recuperação da área (de segurança pública). Temos uma boa oportunidade para reorganizar e requalificar a polícia, de separar aquela parte que não tem atuado de forma correta.”

Ao que tudo indica, tirar a chamada banda podre das polícias será uma missão difícil para Braga Netto. Falta, no estado, uma estrutura mais eficaz para a investigação de casos de desvios de conduta.

Levantamento obtido pelo jornal “O Globo” mostra que, de janeiro a outubro do ano passado, nenhum caso de corrupção ativa de PM chegou à comarca da capital fluminense da Auditoria da Justiça Militar. Em 2015, foram registrados três; em 2016, um. Ainda no ano passado, a Auditoria da Justiça Militar registrou apenas três casos de extorsão, contra quatro no ano anterior e sete em 2015.

De acordo com a Corregedoria Geral Unificada, órgão vinculado à Secretaria de Segurança, nos últimos dez anos, 373 policiais civis e militares foram exonerados, número considerado pequeno por quem acompanha casos de abusos de autoridade ou desvios de conduta.

O sociólogo Ignacio Cano, coordenador do Laboratório de Análise da Violência da Uerj, enfatiza a importância de um “olhar externo” para a conduta dos agentes do estado. Ele defende a criação de uma força-tarefa com esse propósito, mas não acredita que a intervenção federal consiga promover uma “limpeza”.

“É sempre um ponto central de qualquer política de segurança a necessidade de tirar os policiais que cometem abusos. Isso realmente precisa ser uma prioridade. Mas é uma ideia ingênua achar que só o Exército poderá tirar os maus policiais das ruas. Precisamos, sim, de uma olhar externo, mas também de uma colaboração ativa das próprias polícias”, avalia.

A deputada Laura Carneiro (PMDB-RJ) será a relatora do decreto presidencial que passa para as Forças Armadas a responsabilidade pela segurança pública do Rio. A votação da matéria está marcada para amanhã, às 19h. O texto não pode receber emendas, e, se for aprovado, seguirá para avaliação do Senado, que poderá levá-lo ao plenário na quarta-feira.

Também ontem, muitos cariocas acordaram com a impressão de que a intervenção federal já tinha tomado as ruas. Soldados e veículos blindados ocuparam pontos estratégicos na região do Centro e em parte da Zona Sul, mas o motivo era outro: garantir a segurança dos deslocamentos do presidente Michel Temer e sua comitiva.

Fonte: Valor econômica