Manifestações antirracismo chegam à 7ª noite com EUA no limite
Menos de 24 horas depois de a Casa Branca ter ficado completamente às escuras, os manifestantes voltaram à residência oficial do presidente Donald Trump, em Washington, nesta segunda-feira (1º), no quarto dia de protestos na capital americana (e o sétimo no país).
Com a polícia reprimindo os ativistas e tanques protegendo os arredores da Casa Branca, Trump disse que vai mandar “milhares e milhares” de homens do Exército fortemente armados para as ruas caso os prefeitos e governadores não consigam conter as manifestações contra o racismo que tomaram conta de várias cidades do país na última semana.
“Meu primeiro dever é defender o país”, afirmou, nos jardins da residência oficial, enquanto bombas de gás lacrimogêneo eram jogadas contra manifestantes pacíficos, a poucos metros de onde Trump falava. “Estamos colocando um fim aos tumultos e à falta de lei.”
Em tom firme, o presidente pediu que os governadores e prefeitos usem as forças da Guarda Nacional em número suficiente para conter as ruas.
“Se uma cidade ou estado se recusar a tomar as medidas necessárias para defender a vida e a propriedade de seus residentes, então implantarei as forças armadas dos Estados Unidos e rapidamente resolverei o problema para eles.”
Depois das declarações, em um movimento inédito e visto pelos analistas como tentativa de demonstrar força e controle, Trump atravessou os jardins e caminhou até a histórica igreja de St. John, do século 19, que tinha sido parcialmente vandalizada no domingo.
Ele carregava uma Bíblia e reuniu parte de sua equipe diante de fotógrafos e cinegrafistas.
Horas antes, sob o sol forte da primavera, pichações, prédios queimados e lojas depredadas remetiam à conflituosa madrugada de protestos contra a violência policial e o racismo em Washigton.
Depois de manifestações pacíficas durante o dia, o início da noite de domingo (31) foi também o começo da escalada dos confrontos entre policiais e ativistas na capital do país, e as luzes da residência oficial do presidente dos EUA foram apagadas por segurança.
A dinâmica dos protestos em Washington refletiu a dicotomia entre o dia e a noite nos atos que já atingiram mais de 140 cidades americanas.
Grande parte das manifestações transcorre de forma tranquila durante o dia, mas o cair da noite divide os grupos e tem mudado o clima em muitas regiões.
Desde o início da semana passada, milhares de pessoas pedem justiça pela morte de George Floyd.
Negro e desarmado, o ex-segurança de 46 anos teve o pescoço prensado contra o chão por quase nove minutos pelo joelho de um policial branco em Minnesota. O agora ex-policial Derek Chauvin foi preso na sexta-feira (29) e transferido no domingo para uma prisão de segurança máxima, onde espera julgamento.
O agente já foi objeto de 18 inquéritos disciplinares, dos quais 16 foram encerrados sem nenhum tipo de punição. Ele foi demitido da polícia logo após o episódio vir à tona.
Nesta segunda, médicos independentes apontaram que Floyd foi morto por “asfixia mecânica”, o que difere do relatório divulgado pela polícia anteriormente.
A ação, gravada por testemunhas que passavam pelo local, viralizou nas redes sociais e mobilizou o país.
Os atos contra a violência sistemática da polícia têm escancarado mais uma vez as desigualdades e o racismo estrutural que atravessa as instituições americanas.
Eles ganham força no momento em que o país sofre com a pandemia do coronavírus, que já matou mais de 100 mil pessoas e mergulhou os americanos -principalmente os negros- em uma combinação de crise econômica e de saúde pública sem precedente.
Conforme os protestos se alastram, aumentam também os embates entre policiais e manifestantes, ilustrados por cenas de barbárie, que resultaram no aumento de prisões e mortes em diversas cidades.
No domingo, ativistas saquearam lojas e queimaram carros.
Os policiais reagiram com bombas de gás lacrimogênio, balas de borracha e spray de pimenta.
Nesta segunda, os ativistas esperavam um roteiro parecido.
Às 16h (17h de Brasília), centenas de manifestantes estavam na praça Lafayette, em frente à sede do governo americano. Com placas que diziam “black lives matter” (vidas de negros importam) e “I can’t breath” (eu não consigo respirar), pediam justiça e vociferavam estar cansados de serem mortos por policiais. Mas não havia confusão.
Quando uma garrafa cheia de leite foi atirada contra policiais, manifestantes vaiaram e pediram que objetos não fossem arremessados.
“Assim vocês não ajudam”, disse no megafone Arianna Evans, 23, formada em ciência política.
Os gritos eram disparados em frente a uma fileira de pelo menos 70 policiais, que posicionaram grades de proteção em um cordão de isolamento, desta vez a quase dois quarteirões da Casa Branca.
Eram homens do Serviço Secreto, da Guarda Nacional e do Exército americano.
Pouco antes das 18h, o ato havia quase dobrado de tamanho, o efetivo policial foi ainda mais reforçado e outras garrafas foram arremessadas contra os agentes. Eles revidaram com bombas de gás, causando correria e gritos.
Após o aumento da segurança oficial nas laterais da praça em frente à Casa Branca, ativistas entraram em confronto com policiais, que reagiram com cassetetes, e duas pessoas foram feridas na cabeça. Faltava meia hora para começar o toque de recolher, e o número de pessoas nas ruas só crescia.
Em poucos minutos, a confusão aumentou, e os policiais avançaram com bombas, encurralando os manifestantes, que se ajoelhavam no chão para evitar o confronto.
Na primeira vez em que os manifestantes por Floyd se postaram diante da residência oficial do presidente, na sexta-feira (29), houve princípio de tumulto quando um grupo tentou derrubar as grades que estavam a poucos metros da sede do governo.
Segundo o jornal The New York Times, o presidente Donald Trump e sua família foram levados a um abrigo subterrâneo, usado geralmente durante ataques terroristas, e lá ficaram por uma hora.
No sábado e no domingo, a situação piorou. Os protestos cresceram em número de pessoas que marchavam de dia e também na intensidade dos confrontos que se estenderam durante a noite.
A prefeita de Washington, a democrata Muriel Bowser, declarou toque de recolher às 23h do domingo, assim como pelo menos outras 40 cidades do país, mas isso não impediu que os atos entrassem pela madrugada.
Mais de 4.400 pessoas foram presas em todo o país desde quinta-feira, segundo a agência de notícias AP, sob acusações de roubo e descumprimento do toque de recolher.
Nesta segunda, a prefeita de Washington decretou o recolhimento mais cedo, às 19h, acrescentando que a cidade está se preparando “para vários dias de manifestações.”
Parte dos policiais na capital e no restante do país tem agido também contra jornalistas, atingidos por balas de borracha e spray de pimenta enquanto estão trabalhando e devidamente identificados.
Trump alimenta a retórica raivosa contra a imprensa e o que chama de esquerda radical e anarquistas, em um movimento que atrela o discurso da ordem à polarização, no habitual aceno a seus eleitores conservadores.
Enquanto o presidente insufla a repressão violenta aos protestos, os confrontos se repetem, além de Washington, em cidades como Nova York, Filadélfia, Santa Monica, San Diego, Los Angeles, Atlanta, Chicago, Boston, Louisville e Minneapolis, onde Floyd foi morto na segunda (25).
Foi ali que ativistas viram um caminhão-tanque avançar sobre um grupo de pessoas no domingo. Era a quinta noite seguida com incêndios, saques e vandalismo em Minneapolis.
Segundo a agência Reuters, o motorista foi retirado do veículo e espancado, mas ninguém ficou gravemente ferido.
Em Louisville, no estado de Kentucky, um homem levou um tiro e morreu durante a tentativa da polícia de dispersar pessoas em um estacionamento.
Os policiais afirmam que foram atacados primeiro e, então, a Guarda Nacional revidou à bala.
Um policial na Califórnia e um manifestante em Michigan já haviam sido mortos na semana passada e, a eles, uniram-se novas vítimas.
Ao menos 27 estados, mais a capital americana, convocaram a Guarda Nacional para ajudar a reprimir protestos. A medida é considerada extrema e, em Minnesota, por exemplo, foi tomada na semana passada pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial.
Em Nova York, a polícia prendeu cerca de 350 pessoas entre a noite de sábado e a madrugada de domingo, e 30 policiais tiveram ferimentos leves. Já na noite de domingo, foram cerca de 200 presos, principalmente nos distritos de Manhattan e Brooklyn, e pelo menos sete policiais ficaram feridos.
O prefeito Bill de Blasio afirmou que a conduta dos policiais está sendo investigada e que serão examinados vídeos que mostram veículos da polícia avançando sobre uma multidão de manifestantes que jogava entulho contra um dos carros, no bairro do Brooklyn.
A filha do prefeito chegou a ser detida pela polícia por participar de uma assembleia ilegal na noite de sábado, mas foi liberada.
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