Reportagem rastreia celulares furtados e mostra atuação de quadrilhas especializadas no crime.

Reportagem do Fantástico deste domingo (21) aborda o furto de celulares, com flagrantes. Especial também revela a atuação de quadrilhas especializadas no roubo dos aparelhos e uma nova forma de clonagem.

O rastreamento do furto de um telefone celular em Porto Alegre, imagens exclusivas de ataques milionários organizados por quadrilhas especializadas em roubo de cargas de celular, além de um novo tipo de clonagem de aparelhos telefônicos fazem parte da reportagem especial feita pela RBS TV, apresentada no Fantástico deste domingo (21).

No Centro da capital gaúcha, o repórter Giovani Grizotti revela uma situação surpreendente com o rastreamento de um furto de celular, praticado por uma funcionária da sede operacional do governo do estado do Rio Grande do Sul e por um servidor do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) da prefeitura de Porto Alegre.

A equipe da RBS TV montou uma “isca” em um aparelho celular, feita por um especialista em tecnologia, Ronaldo Prass, que instalou um aplicativo que mostra tudo o que acontece no aparelho, capturando remotamente áudios, vídeos, além de registrar localização, chamadas feitas e recebidas, e até rede wifi na qual o telefone está conectado. O repórter colocou o celular à mostra em um compartimento externo de uma mochila e saiu para caminhar por ruas de Porto Alegre e também de São Paulo.

Câmeras escondidas na própria mochila e no alto de um prédio registraram o momento em que um casal se aproxima do repórter e o homem, usando um jornal dobrado para disfarçar, furta o celular. Identificados como Nara Jaqueline Rodrigues e Paulo Vilnei Abadie, eles foram rastreados pelo aplicativo instalado no aparelho mostrando o deslocamento pelas ruas de Porto Alegre, inclusive quando a dupla instala um novo chip no aparelho roubado, fato que foi imediatamente informado pelo dispositivo espião. Um vídeo, gravado remotamente pelo aplicativo, revela que ambos desconfiaram que estavam sendo seguidos.

No dia seguinte, o aplicativo registrou o caminho feito pelo telefone entre a casa de Nara e o local de trabalho dela. Foi então que o repórter soube o local onde ele estava conectado por uma rede wifi: no andar do Conselho Estadual de Educação do Estado, que funciona no sexto andar do prédio, que fica no Centro Administrativo do Estado, no Centro de Porto Alegre.

Foto de Nara tirada pelo celular furtado, através do programa espião (Foto: reprodução/Aplicativo celular)

 repórter e a equipe da RBS TV foram até o local e confrontaram a mulher:

“O que é que eu fiz?”, pergunta Nara.

“Só quero fazer uma ligaçãozinha”, responde o repórter.

Flagrada pela equipe da RBS TV: Nara Jaqueline Rodrigues é funcionária da sede operacional do governo do estado do Rio Grande do Sul (Foto: reprodução/RBS TV)

Para ter certeza, o jornalista telefona para o número de Nara. E ela atende, na frente dele.

“É tu? Como é que tu tem (o número do telefone)?”, pergunta a mulher.

“Sou eu. Esse telefone é meu. Ele foi roubado no Centro, a senhora estava junto (com o ladrão)”, responde Grizotti.

“Eu não!”, retruca ela, que segue negando o crime mesmo após saber que havia sido gravada no momento do ataque.

Celular da equipe da RBS TV furtada pelo casal (Foto: reprodução/RBS TV)

A mulher ainda tentou apagar a memória do celular antes de entregá-lo, mas não conseguiu. Apenas retirou o chip que tinha colocado nele. No aparelho entregue ao repórter, havia uma mensagem do comparsa Paulo, informando hora e local em que estaria em uma delegacia prestando depoimento. A equipe da RBS TV então foi ao endereço e encontrou Paulo.

“O senhor reconhece esse celular aqui? O senhor furtou o celular dessa mochila aqui, o senhor lembra?”, pergunta o repórter.

O servidor do DMLU da prefeitura de Porto Alegre, Paulo Vilnei Abadie, foi confrontado pela equipe da RBS TV (Foto: reprodução/RBS TV)

Abadie negou, mesmo diante de informação de que o ataque havia sido filmado.

“Eu acho que tem que prender quem é ladrão”, diz.

“Então o senhor tinha que ser preso?”, questiona o jornalista.

Imagens de câmera do alto de um prédio flagram o momento que Paulo furta o celular, acompanhado de Nara ao fundo (Foto: reprodução/RBS TV)

Diante da insistência do repórter, ele decide confessar, admitindo que, no passado, cometia esse tipo de crime. “Nem sei por que fiz, senhor, na real, nem sei por que fiz. Eu sou honesto. Eu sou direito. Na realidade, estava caindo (o celular à vista na mochila), meu amigo. Eu vendo passando, foi um estalo que deu, nem vi nada”, afirma Abadie.

A prefeitura de Porto Alegre anunciou abertura de sindicância, mas, por enquanto, não deve afastar o funcionário. Já o governo do estado informou que já afastou a terceirizada Nara Jaqueline do trabalho no Centro Administrativo.

Ataques milionários e escolta aérea para transportar cargas

Em apenas dois ataques, quadrilhas especializadas em roubar cargas de celular causaram um prejuízo de cerca de R$ 6 milhões em 2017, em Porto Alegre, de acordo com estimativas da polícia. O primeiro deles aconteceu em julho do ano passado, no depósito da companhia aérea da Latam. Doze homens armados levaram um carregamento de aparelhos da marca Samsung.

O segundo ataque aconteceu em outubro e só agora revelado ao público. Aconteceu no depósito da operadora Claro, também na capital gaúcha. Os bandidos usaram toucas ninjas e armamento pesado para render os funcionários, e utilizaram maçarico para arrombar uma porta.

Imagens dos ladrões roubando carga de celulares no depósito da companhia aérea Latam (Foto: reprodução/RBS TV)

Segundo o delegado Alexandre Fleck, da Delegacia de Furtos e Roubos de Cargas, do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), a corporação enfrenta dificuldades para prender os bandidos do ataque à Latam, porque o fabricante bloqueou os aparelhos roubados, o que dificulta o rastreamento. Informes não oficiais repassados à polícia indicam que a carga pode ter sido revendida no Paraguai. Já sobre o assalto na Claro, a polícia ainda aguarda o despacho de medidas judiciais para seguir as investigações.

“A gente percebeu que se tratavam de quadrilhas bem organizadas. Em ambos os casos, quadrilhas numerosas, que utilizavam diversos veículos. A gente estima entre 10 e 20 indivíduos nesses roubos, demonstrando organização na forma de proceder abordagem, na forma de pegar os objetos que eram alvo deles”, explica Fleck.

Ainda em 2017, outros dois furtos a lojas da Tim no centro de Porto Alegre renderam aos bandidos 390 aparelhos. Imagens reveladas pela RBS TV mostram os ladrões atacando durante a madrugada com o uso de lanternas. A preocupação com a segurança das cargas começa antes mesmo dos aparelhos chegarem aos depósitos. São montadas verdadeiras operações de guerra para garantir que as cargas cheguem ao destino.

No Rio de Janeiro, a reportagem acompanhou uma dessas operações, na qual foram utilizados dois caminhões blindados e até escolta aérea, de helicóptero. Essas são as condições impostas pelas companhias de seguro para garantir uma carga de celular, que pode valer até R$ 30 milhões.

“As seguradoras buscam alternativas. Então nós temos desde a escolta aérea, feita por helicóptero, até veículos blindados pra fazer entrega nos destinos finais. Então, imagina onde chegamos?! Tem veículo blindado pra entregar um celular numa loja, num shopping”, desabafa Salvatore Lombardi, presidente do Clube Internacional de Seguros de Transportes (CISTE).

Novo tipo de clonagem

Ladrões têm apostado cada vez mais no furto e roubo de telefones celulares como fonte de lucro. A ponto de autoridades policiais afirmarem que muitos bandidos que antes atuavam nos mercados da droga e de carros roubados, por exemplo, migraram para este “segmento”. É o que afirma o delegado Alencar Carraro, que comanda uma força tarefa especializada no combate a assaltos a ônibus.

Ele diz ter ouvido em conversas informais com bandidos presos, de que a “concorrência” em outros mercados criminosos seria maior.

“No roubo ao transporte coletivo, devido a grande quantidade de passageiros – e hoje praticamente todo mundo tem um telefone celular – isso fez com que seus lucros aumentassem muito. Então eles abandonaram essas outras atividades criminosas”, afirma Carraro.

O delegado ainda diz que bandidos miram os telefones dos passageiros em 90% dos assaltos a ônibus e lotações que acontecem em Porto Alegre. Em muitos casos, usam armas de choque para intimidar as vítimas. Vídeos revelados pela polícia mostram os ladrões invadindo os transportes coletivos e fazendo verdadeiros arrastões, colocando os celulares de passageiros em mochilas e deixando o local rapidamente.

A polícia acredita que a maioria dos aparelhos levados nesse tipo de ação vai parar no mercado paralelo que funciona a céu aberto no centro da Capital gaúcha, na mesma região onde o casal de ladrões furtou o celular do repórter da RBS TV.

Fonte: G1 RS