‘Já gastamos R$ 17 mil e não temos nenhuma certeza se vamos viajar’, diz baiana ‘presa’ em Lisboa

A jornalista baiana Arysa Souza, 32 anos, e o marido, Igor Amaral, 34, viajaram para a Europa no dia 3 de março e pretendiam voltar a Salvador nesta quinta-feira (19), num voo que partiria de Lisboa, faria conexão em Madri e, de lá, viria ao Brasil. O casal, no entanto, está ‘preso’ na Europa em meio à pandemia no coronavírus. Quando a situação começou a ficar complicada, o casal tentou antecipar a passagem e retornar ao Brasil no último sábado (14), sem sucesso.

Depois, pagaram R$ 14 mil para tentar voltar na última terça (17), mas o voo sequer aparecia no painel eletrônico do aeroporto de Lisboa. Sem conseguir ajuda da Embaixada nem do Consulado brasileiro em Lisboa, Arysa e Igor precisaram alugar um apartamento na capital portuguesa até o novo voo, previsto para sábado. Eles mantém um grupo com outros 248 brasileiros que vivem a mesma situação.

Confira depoimento de Arysa, na íntegra:

“A gente tá viajando desde o dia 3 de março, eu e meu marido. Primeiro, a gente foi para Paris, depois Bélgica, Amsterdã. Em Amsterdã, a situação tava relativamente controlada, a gente não sentia muito impacto nas ruas, a rotina tava relativamente tranquila. Quando chegou no último dia, a gente percebeu que a crise tava se agravando, principalmente a crise aérea.

Foi aí que a gente decidiu tentar antecipar nosso voo de retorno, que tava marcado para hoje (quinta-feira, 19) com saida de Lisboa e conexão em Madri. Quando a gente percebeu que o caos estava se instaurando, a gente tentou antecipar esse retorno. Ficamos a madrugada inteira de sábado (14) no aeroporto de Amsterdã e não conseguimos. A gente não teve outra opção, tivemos que embarcar para Lisboa.

Os dois primeiros dias em Lisboa foram tranquilos, a gente via que as ruas estavam mais vazias, mas a gente conseguiu curtir esses dois primeiros dias. E aí, [sobre] o nosso voo de retorno de quinta-feira (19), a gente recebeu um e-mail da Air Europa dizendo que foi cancelado e que tinha sido mudado para o sábado, dia 21. A gente ficou preocupado de ter que ficar aqui mais um tempo e tentamos alterar nosso voo. Conseguimos alterar para terça passada (17), fizemos o check-in, já tinhamos até assento. Fomos para o aeroporto, que estava bem tranquilo nesse dia.

Mas, chegando lá, a gente não encontrou o nosso voo nem no painel eletrônico do aeroporto. Nem atrasado, nem cancelado, era como se não existisse. O balcão da Air Europa tava fechado, não tinha ninguém, apenas um papelzinho com alguns telefones que a gente já tinha tentado ligar centenas, milhares de vezes e não atendiam de jeito nenhum. E lá, a gente encontrou um grupo de brasileiros que estavam na mesma situação, do mesmo voo, e aí eu resolvi criar um grupo, Brasileiros em Lisboa, para a gente trocar informações, trocar ajuda, juntar forças. A gente decidiu sair do aeroporto e ir para a Embaixada.

A gente encontrou a Embaixada fechada com um papelzinho lá, também, com um e-mail. Da Embaixada, a gente foi para o Consulado e no Consulado, a gente recebeu a informação de que não era responsabilidade deles dar esse tipo de suporte em situação de pandemia, era papel da Embaixada. Então retornamos para casa. O grupo já está cheio, tem 250 pessoas de diversas partes do Brasil, com situações bem diferentes, pessoas já sem dinheiro, sem ter onde ficar.

Ontem, a gente percebeu que não ia conseguir voltar pelo voo da Air Europa porque ele faz conexão por Madri e lá a situação é ainda mais grave. Decidimos então comprar um voo da TAP, que está praticando preços extremamente abusivos. Compramos cada passagem por R$ 7 mil, ou seja, desembolsamos R$ 14 mil para uma viagem direta de Lisboa para Salvador. Ontem, acordamos e vimos que o voo já tinha sido cancelado pela manhã porque saiu uma decisão que só sai voo de Lisboa se for para o Rio de Janeiro ou para São Paulo.

Fomos novamente na Embaixada, novamente de portas fechadas. Eu bati insistentemente na porta, gritava pelo portão por ajuda, toquei o interfone e, depois de alguns minutos, apareceu um segurança e eles pediram para duas pessoas entrarem. Eu entrei, conversei com um senhor, depois o embaixador apareceu para dizer que a responsabilidade era do Consulado. Ou seja, um jogando a responsabilidade para o outro. Ele disse que não tinha nenhuma verba, não tinha nada do governo federal.

Saí de lá, fui para o aeroporto para tentar remarcar o voo da TAP. Os funcionários expulsaram a gente no final da tarde, a polícia apareceu para tirar a gente de lá de uma forma bem intimidadora. Ontem, Portugal decretou situação de emergência e a nossa circulação aqui está bem mais restrita.

Meus pais, aí de Salvador, conseguiram falar com a TAP e eles cobraram R$ 1,5 mil por cada passagem para remarcar num voo com destino a São Paulo. Ou seja, já gastamos R$ 17 mil e não temos nenhuma certeza se vamos conseguir viajar no sábado.

É absurdo atrás de absurdo. Eu consegui o WhatsApp do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, ele me disse que ia me colocar em contato com uma pessoa do Itamaraty, e de fato eu estou em contato com uma pessoa, Melina, que trabalha com ele. O único tipo de suporte que eles ofereceram foi dizer que estão em contato com a TAP e com as companhias aéreas para assegurar nosso retorno.

Eu estava num hotel até dia 19. Como a minha estadia acabou, hoje a gente alugou um apartamento aqui até domingo, para ter um dia de segurança. A gente está na torcida aqui para o voo de sábado dar certo e a gente depois judicializar tanto a Air Europa por falta de suporte quanto a TAP por cobranças abusivas, numa época em que todo mundo está sendo solidário. Uma época de aflição, a gente percebe que a operadora está sendo abusiva, inclusive me cobrando para remarcar uma passagem que eles mesmos cancelaram”.